"Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos
vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e
redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com
grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e
à terra A Terra de Vera Cruz!"
Pero Vaz de Caminha 1 de Maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha 1 de Maio de 1500.
BRASIL
Na primeira semana
fiquei alojada no Catete. Cheguei de noite e o corpo sentiu no momento em que
saí do aeroporto: tive febre e dores de cabeça. Quando chegamos ao Brasil, é
natural nas primeiras semanas o corpo reagir desta forma. Estes sintomas também
são do dengue, que é uma doença que paralisa o corpo com muitas dores.
Aterrorizada com as doenças tropicais, quando senti febre, liguei à minha mãe a
chorar (antes de ficar paralisada…), porque achava que tinha dengue. Mas afinal
eram só dores de cabeça, porque o corpo demora a habituar-se ao novo clima mais
húmido.
Mudei-me para uma
república: o 256 da Nossa Senhora de Copacabana. Uma república com onze
estudantes e viajantes. Naquele apartamento morávamos três franceses, três
alemães, uma inglesa, uma holandesa, uma finlandesa e uma brasileira, além de
mim.
A nossa casa
estava abandonada à nossa sorte. Não tínhamos quaisquer regras. De duas em duas
semanas tínhamos novos colegas de casa. Esta casa era velha e cheia de móveis,
alguns que só ocupavam espaço e que não serviam para nada. A Isabel, a dona da
casa, morava em Londres e todos os novos moradores, normalmente gringos,
faziam um acordo com ela no Facebook e entravam na casa. Pagavam o depósito de
entrada àquele que saía e, assim sucessivamente, ela fazia o seu negócio.
E tornámo-nos
amigos, aqueles que não abandonavam a casa.
Curiosamente pouco
tempo depois de chegar consegui um estágio. No Paço Imperial, na Praça XV, a
casa que a família Real veio habitar quando se transferiu para o Brasil.
D. João VI chegou
ao Rio de Janeiro em 1807. Ele e sua capitania tiveram a maior recepção já
antes vista na cidade. As embarcações ancoraram no Mergulhão, onde hoje apanho
o autocarro para chegar à praça e onde aqueles que, por graça de Deus eram os
príncipes do Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves, desceram e
instalaram-se no Paço. Lá viveram D. João, sua esposa Carlota Joaquina, D.Pedro
e D.Miguel. No mesmo lugar D.Pedro, anos mais tarde, proclamou o dia do Fico, e
assim tornou o Brasil independente.
Esta chegada do
D.João é um marco na história do Rio de Janeiro. Repetidas vezes, no Paço, ouvi
histórias, segredos e conspirações sobre a família real que tanta curiosidade
ainda hoje desperta naquela que foi considerada, pela vinda destes, a nova e
última Capital do Império.
A sombra da
colonização que vez nenhuma havia sentido em Portugal, vim sentir aqui quando
me perguntaram: “Então portuguesa, está gostando da colônia?” Ao qual eu
respondi: “Não sei, diga-me você, acabei de chegar à Capital do Império”.
O Brasil é uma
terra muito grande na qual os portugueses tiveram influência. Na pouca que
tiveram restou a nossa língua, comum aos dois países que torna a nossa comunicação
tão fácil e tão próxima. A verdade é que quando um português chega ao Rio de
Janeiro conhece mais sobre a sua terra do que alguma vez podia imaginar. A
descoberta desta cidade e esta viagem para o mundo trouxe uma consciência do tamanho de Portugal.
As festas e os
encontros no morro do Vidigal, na praia do Leme, na Rua do Ouvidor e em Santa
Teresa, que é igual a Lisboa antiga, mas com bananeiras, ocupavam estas
primeiras semanas no Rio.
Durante este
período descobri que ”só me interessava
aquilo que não era meu. Lei do homem. Lei do Antropográfico.” Este
pensamento do Oswald de Andrade foi uma das minhas grandes descobertas no
Brasil.
Por isso escrevo
este texto, para fazer um convite à Viagem. Ela é, mais do que qualquer escola,
a aprendizagem em si mesma, a valorização da experiência, da paisagem, dos objetos
e das pessoas. Faço este convite para aqueles que partem para a viagem já
saciados daquilo que vão encontrar.
Muitas vezes para
os portugueses, chegar ao Brasil é aterrar num lugar já explorado e conhecido.
Então pensei como seria partir “à procura de qualquer coisa”, como disse a
Clarisse Lispector.
"O ser humano
tem uma tendência para ser agregar, gosta de se juntar em grupos de grande
dimensão e de uma qualidade variável, colectivos mais ou menos coesos e
constituídos por motivos díspares e que pode ser resumido pelos afectos: desde
a semelhança física ao compartilhamento da mesma língua. O homem na sua nação e
cultura, pode ser arrongate ao ponto de presumir que o outro se deve
identificar com os seus preceitos, mesmo que à força. A escola, a começar pela
família e as multiplas intuituições são estruturas de transmissão e produção de
opiniões."
In
Folder da Exposição, A Viagem, curadoria Agnaldo Farias, 2013 RJ
Este texto estava
no folder da exposição que estava no Paço Imperial na primeira vez que lá
entrei, em antes de saber que ia lá trabalhar.
Não considerar um
outro olhar, apreender apenas a visão de uma escola ou uma opinião específica,
pode correr o risco de nos equivocar em relação aos outros lugares.
Esta ideia vem
contradizer que aquele que acumula mais opinião é o mais instruído e completo
de saber. Mas na verdade é um problema quando "as surpresas passam por
nós sem surpresa." Porque quando a cabeça está repleta de opiniões e
consequentemente de certezas, nós já não nos admiramos de nada.
Quando fazemos a
mobilidade e estudamos noutros lugares este problema da escola não persiste. A
transmissão de opiniões muda consoante a instituição e o país e com isto, nós,
os estudantes, temos diferentes fontes onde absorver.
Este é o meu
convite.
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